terça-feira, 9 de novembro de 2010


Criminalização da pobreza é praticada por nossos governantes


Por Gizele Martins (www.gizelemartins.wordpress.com)
“Que Estado é esse que desrespeita o mais fundamental direito, que é o direito à vida? Que política de segurança é essa que extermina as camadas mais pobres da sociedade, que considera cidadão apenas as pessoas provindas da classe média pra cima? Que polícia é essa que extermina nossas crianças e que fala para a imprensa, órgãos regulatórios, entre outros, que o que aconteceu não partiu deles, que a criança morreu por bala perdida em confronto de facções rivais? Que confronto? Onde estão as cápsulas de bala no chão? Onde ressoaram os barulhos dos tiros trocados? Cadê as paredes perfuradas? Apenas um tiro de fuzil foi disparado… tiro este que encontrou seu destino na cabeça de uma criança inocente que saía para comprar o pão”, este relato, assinado e divulgado pela jornalista Silvana Sá, quando Matheus Rodrigues, de apenas 8 anos, foi morto com uma bala de fuzil na cabeça em dezembro do ano passado, tiro dado pela Polícia Militar que fazia ronda na favela em que o menino morava, na Baixa do Sapateiro, Complexo da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro, reafirma a ação violenta e rígida que a polícia tem dentro das favelas cariocas. Além disso, prova também como a mídia e os órgãos públicos tratam essa população, mostrando que a criminalização a eles é claramente defendida e praticada.
A mãe de Matheus, Gracilene Rodrigues dos Santos, que até hoje luta por justiça, buscando uma resposta para tal atrocidade ao seu filho, infelizmente não foi, e não é a única mãe que chora ou chorou pela covarde morte de seu filho. Outras mães de pobre, de negro e de favelado, as maiores vítimas desta violência policial, estão neste extato momento enterrando seus filhos, enterrando sua história, colocando para fora suas lágrimas de dor e revolta.
A resposta dos representantes governamentais para tamanha brutalidade dentro das favelas cariocas, para tantas mortes, é a de combate ao tráfico de drogas. Mariano Beltrame, secretário de segurança pública do Rio, por exemplo, afirma que o estado apresenta um cenário de guerra, por isso, é preciso que a polícia haja com tanta severidade, sendo a conseqüência disso, a morte de muitos favelados. Pois, segundo Beltrame, são nestes locais que se encontram o crime organizado. “O Rio chegou a um ponto que infelizmente exige sacrifícios. Sei que isso é difícil de aceitar, mas, para acabarmos com o poder de fogo dos bandidos, vidas vão ser dizimadas. (…) É uma guerra, e numa guerra há feridos e mortos”.
Argumento parecido foi utilizado pelo então governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral Filho, em abril do ano passado, quando em entrevista ao defender o aborto disse que a mulher de favela é fábrica de bandido. “A questão da interrupção da gravidez tem tudo a ver com a violência (…) Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas. Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal. O Estado não dá conta”. Ou seja, em poucas palavras, Cabral, demonstra diferentes formas de entender a sua conduta governamental no Estado, se referindo particularmente as classes mais pobres, pois em uma mesma frase, ele demonstrou seu preconceito ao morador de favela ao afirmar que nela só existem bandidos. O que nos explica o uso dos caveirões nas operações policiais, o abandono das escolas, dos hospitais públicos, da falta de lazer, de emprego, dentre diversas outras coisas básicas para a sobrevivência de cada cidadão.
Pior que saber que a criminalização da pobreza existe, é saber que ela é claramente apoiada, praticada por nossas autoridades. E este método de criminalizar e enganar o pobre é feito antes mesmo das eleições. Sergio Cabral e diferentes outros políticos se aproveitaram das necessidades do povo, prometendo na campanha o que as pessoas mais queria ouvir, mas depois de conseguirem o que queriam não respeitaram esta mesma população que os colocaram lá. De acordo com o Deputado Estadual Marcelo Freixo, a campanha eleitoral de Cabral e o que é hoje o seu governo, significa ser um dos maiores estelionatos eleitorais que já existiu. Pois uma de suas promessas era a mudança na política pública de segurança adotada pelas autoridades anteriores. “Isto não aconteceu apenas na segurança, mas na educação, na saúde, em áreas estratégicas. Na saúde, a única coisa que se fez até agora foram as fundações públicas de direito privado. Na educação, é um governo que investe em laptop, em ar condicionado, e o salário dos professores continua R$ 500. Na segurança, é um governo que comprou nove, ou dez caveirões”.
E tudo isso, eles, as autoridades governamentais, não fazem sozinhos, existem muitos interesses para que essa população pobre, favelada, continue sem seus direitos. A grande mídia, por exemplo, tem grande responsabilidade nisso. Ao cobrir a morte de Matheus Rodrigues, na Maré, no primeiro momento, ela afirmou que este pequeno menino tinha envolvimento com o tráfico. Não ouviu os mais de 200 moradores que estavam no local chorando, clamando por justiça, ela apenas deu ouvido ao que a polícia disse. Como se ser envolvido com o tráfico justificasse a crueldade que esta Política de Segurança Pública do Rio de Janeiro faz dentro das localidades mais pobres, que apenas extermina ao invés de oferecer o direito à vida.
A solução para tudo isso é o ouvir, o analisar, o questionar, o cobrar destas autoridades tudo o que eles prometeram durante suas campanhas eleitorais. Afinal, quem põe eles nos poder, quem é a maioria, é o povo, e são estes que podem mudar esta crua realidade que atormenta todos os dias cada morador de favela e todos os que pertencem a classe mais pobre. É preciso que cada cidadão exija seus direitos. As pessoas, os movimentos sociais e as diferentes instituições precisam se organizar e defender seus interesses. Interesse este que parece ser único, que é garantia dos direitos de cada cidadão, o que se resume ao direito de viver.


Os muros que circundam as Favelas por Francisco Valdean

Com um argumento bem intencionado, o governador Sergio Cabral pretende cercar 11 favelas da cidade do Rio de Janeiro com um muro de três metros de altura. Vestindo-se de branco o projeto alardeia aos quatro ventos sua intenção: conter a expansão das favelas que avançam sobre a mata atlântica, salvando assim, a natureza dos favelados sem consciência ambiental. Se o projeto fosse original e não tivesse uma concepção excludente, até poderia ser aceito devido a sua intenção explicita.


Além das 11 favelas localizadas na zona sul, o muro poderá ser implantado em outras favelas da cidade. O único problema é que o argumento terá que mudar, pois em grande parte da cidade a mata atlântica já não existe há muito tempo. É inegável que a ocupação urbana desordenada cause problemas ao meio ambiente, mas não é verdade que as construções nas favelas sejam as vilãs da degradação ambiental dos grandes centros urbanos.


Quando os colonizadores aqui chegaram à mata atlântica tinha uma área equivalente a 1,3 milhão de km². 7% é o que resta. Ao que parece, a participação dos pobres sem moradias neste processo de degradação foi mínimo. A incômoda verdade sobre o fenômeno da favelizãção é que esta cresce e se agrava por não existe iniciativas que realmente vise combatê-la. As iniciativas existentes são tímidas, incipiente e não atacam o cerne da questão.


Quem não é cego politicamente verá na história que a favelizãção é o resultado de um sistema excludente que empurra os pobres para os morros e áreas periféricas das cidades. Se assim quisermos, podemos dizer que o tal sistema gera muros: visíveis e invisíveis. Os visíveis caem com força bruta. Já os invisíveis são mais terríveis, pois agem no porão frio e escuro da desigualdade social e não ruirão com força física.


Qualquer um com o mínimo de sensibilidade e um pouco de consciência social sabe que o crescimento das favelas não será barrado com muros, grades ou qualquer outro tipo de contenção física. A questão da favelizãção aloja-se no interior dos muros invisíveis da sociedade e só será combatido, se primeiro derrubarmos a golpes de marretas os muros invisíveis que as circundam. Políticas públicas sérias na área habitacional e um projeto satisfatório de redistribuição de renda poderia ser um primeiro passo.


A favelizãçao é fruto de um sistema desumano que auto se alimenta da exploração. O alimento rico em caloria humana o faz engorda silenciosamente e a gordura excedente ameaça a saúde social dos hipócritas. Admitem a terrível anomalia e são cúmplices dos combates físicos empregados nas favelas. Combatê-la de fato significaria corta o cordão umbilical transportador do alimento gorduroso que mantém o sistema funcionando.